Fotografia de Anna Tourão. Fonte: Acervo Mariangela Lopes Bitar. |
Embora a instituição do ensino da medicina no Brasil tenha acompanhado a chegada da família real portuguesa, em 1808, durante muito tempo não foi permitido que as mulheres frequentassem os cursos oferecidos no Brasil, os quais, por quase 100 anos a partir da sua instalação, se restringiram apenas às Faculdades da Bahia e do Rio de Janeiro.
As mulheres que desejavam seguir a profissão médica tinham que estudar na Europa ou nos Estados Unidos, que, embora com restrições, eram países que contavam, desde os meados dos anos 1800, com cursos médicos específicos para mulheres. Mesmo impedidas de estudar no Brasil, as mulheres poderiam revalidar seus diplomas caso tivessem estudado no exterior. Ainda que pareça um contrassenso, era assim que as coisas funcionavam naqueles tempos.
Anna Tourão Machado, nasceu em Igarapé-Miri, no engenho da família, em 28 de abril de 1862, filha de Antônio Lopes Machado e Andreza Tourão, Anna era a mais velha de três irmãos: Maria Tourão Machado e Antônio Lopes Machado Filho, para o qual o pai desejava o estudo da medicina. Ocorre que o jovem Antônio não era chegado aos estudos, não conseguindo realizar o projeto de seu pai. Mas, para que o desejo de seu pai, pudesse ser realizado, Anna decidiu que ela seria a médica. E assim, em 1882, ela partiu para Nova Iorque, para a mesma faculdade em que outras brasileiras já haviam estudado, acompanhada de seu pai e de sua irmã, Maria, que lá permaneceu, estudando piano no conservatório.
Após cinco anos de estudo, Anna formou-se em 19 de abril de 1887, em uma turma composta por dez mulheres. Ao retornar ao Brasil, Anna teria que revalidar seu diploma na Bahia ou no Rio de Janeiro, mas antes passaria em sua terra natal, para as comemorações ao lado da família. Foi recebida com uma grande festa organizada por seu pai, mas que seria interrompida para que ela fosse atender uma mulher negra escravizada, em trabalho de parto.
Após visitar sua terra natal, Anna partiu para Salvador, a fim de ter seu diploma revalidado pela Faculdade de Medicina da Bahia. A revalidação do diploma implicaria em mais dois anos de estudos para Anna Tourão Machado. A estada na Bahia permitiu que a jovem médica conhecesse Emilio Ambrósio Marinho Falcão, jovem estudante pernambucano, com quem viria a casar. Entretanto, a morte de seu pai interrompeu a temporada de estudos, fazendo com que Anna voltasse para Igarapé-Miri, para cuidar das coisas da família. Ao retomar os estudos, na Bahia, três anos depois, Anna estava casada com Emilio Falcão, já formado cirurgião dentista.
Em 1891, Anna passaria uns meses em Quixadá, no Ceará, acompanhando o marido, que buscara aquela cidade para tratamento de saúde. Ali também deixaria sua marca, relembrada com carinho e reconhecimento pelo vigário da cidade, por conta da dedicação para com os habitantes do local.
Com o término dos estudos, a defesa da tese e a consequente revalidação do diploma, Anna está pronta para exercer sua profissão no Pará. Ao retornar para Belém, em 1892, a região vivia os áureos tempos da borracha, mas vivia também dias atribulados em sua política. Anna abriu um consultório na Rua 13 de maio, juntamente com seu marido, que ali também montou seu consultório de cirurgia e protese dentaria.
Tendo se envolvido em política, Emilio Falcão acabou sofrendo ameaças. Descontente com os rumos da política, arrendou o seringal "Aquidabam", no Acre, uma vasta extensão às margens do rio Acre, e partiu para lá em 1908, deixando a família em Belém.
Seringal Aquibadam. Fonte: Falcão e Álbum do Rio Acre. 1906 -1907. |
Anna também se mudou para o Acre e agora, em plena floresta, tudo dependeria de sua habilidade no combate às doenças, como a malária, endêmica na região, e o surto de gripe espanhola, que chegaria até aquela localidade, provavelmente pelos imigrantes nordestinos que iam trabalhar nos seringais. Ali Anna seria a médica, a enfermeira, a parteira, tudo, fabricando ainda os seus remédios com matérias extraídas da natureza.
Em 1921, com todas as filhas casadas, Anna e o marido se mudaram para Xapuri, a cidade mais próxima e, ainda assim, distante do seringal seis horas de barco, e onde a médica continuaria a exercer sua profissão.
Anna Tourão, já idosa, em visita a sua filha, por volta de 1930. Fonte: Acervo Mariangela Lopes Bitar. |
Anna Tourão faleceu em 1940, aos 77 anos de idade, em São Paulo. A Amazônia esperaria até 31 de dezembro de 1928 para ter sua primeira médica formada por uma escola da região: seria Olga Paes de Andrade, que colaria grau naquela data pela então Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará.
Extraído de:
http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-62232012000100002
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